Um juramento rotundo

Clássico do cancioneiro popular brasileiro explora, numa narrativa melancólica, um juramento raivoso, porém inconfiável: “Nunca”, do grande Lupicínio.

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
2 min readJun 16, 2020
O grande Lupicínio Rodrigues, o mais melancólico dos compositores populares brasileiros.

Pense numa raiva. O camarada está na maior dor de cotovelo. Tamanha desilusão amorosa o faz jurar que não reatará mais com a amada. E abre o berreiro num samba-canção da mais cabal melancolia:

Nunca,

Nem que o mundo caia sobre mim

Nem se Deus mandar, nem mesmo assim
As pazes contigo eu farei.

Nem o fim do mundo. Nem — suprema heresia — uma ordem divina. Nenhuma força cósmica conseguirá uma reconciliação. Impossível compromisso mais categórico, definitivo.

O triste ainda confessa a impossibilidade de voltar a amar:

Nunca
Quando a gente perde a ilusão
Deve sepultar o coração
Como eu sepultei.

Aí, na terceira e na quarta estrofes, o cabra amofina, fraqueja. Confessa a saudade. E mais do que isso: a saudade que lhe permite viver em paz. Está a um passo de aceitar um pedido de reconciliação. O juramento, quanto mais raivoso, menos confiável.

Saudade
Diga a essa moça, por favor
Como foi sincero o meu amor
Quanto eu a adorei tempos atrás.

Saudade
Não esqueça também de dizer
Que é você que me faz adormecer
Pra que eu viva em paz.

Uma pérola do nosso cancioneiro popular. Os coroas conhecem de sobra. A situação vale para ambos os sexos. Ele ou ela sabe o que é fincar-se num balcão de bar, bebendo e chorando uma mágoa amorosa (por isso sai com o cotovelo doendo).

Para os mais jovens: o autor é o grande Lupicínio Rodrigues (1914–1974), cantor e compositor gaúcho, que emplacou outros clássicos, como “Ela disse-me assim”, “Nervos de aço”, “Vingança”, “Esses moços”, gravados por gente como Caetano, Gal, Gil e Jamelão — esse, seu grande intérprete.

Pra conhecer ou relembrar, eis o link de uma gravação na voz de Jamelão e Alcione, no You Tube. Vale a pena:

https://www.youtube.com/watch?v=_xQG5cHZ9iQ

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Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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