Um fetiche chamado Suzana
Nunca tive uma amante — sequer uma namorada — chamada Suzana. E não me perdoo por isso. Já na adolescência, preferia Suzan Hayward à esfuziante e produzida Rita. Ao longo dos anos, sonhei com mulheres etéreas que antes de se volatizarem diziam: “Meu nome é Suzana”.
O fato é que considero a falta de ao menos uma Suzana em minha biografia uma lacuna lastimável. Quando surgia uma Suzana real em meu horizonte, ou ela era inalcançável ou eu estava ocupado. Porém, uma vez, a coisa foi por triz.
Aconteceu num interregno de um dos meus casamentos. Do nada, apareceu na redação onde eu trabalhava uma moça, que se apresentou como sobrinha de uma conhecida minha e perguntou se eu podia ajuda-la na redação de um TCC de graduação.
Ela era macia, como uma autêntica Suzana. Eu orçava pelos 45 anos, ela tinha uns 30 e poucos. Convidei-a a almoçar. Mal abriu a boca, deu logo o serviço: era casada, tinha dois filhos, morava num subúrbio distante. Mostrou as fotos dos pimpolhos e até do cônjuge. Evidente desencargo de consciência. Não disse, mas claramente estava infeliz com sua vida sem epopeias. Ali, na minha frente, estava a caça pronta para ser abatida.
Tentei decifrar o motivo pelo qual ela me procurara, logo a mim, um suzanista convicto e carente. Percebi, nas entrelinhas da conversa, que ela havia – por cúmulo da coincidência — me elegido como uma possível saída para seu impasse existencial. Talvez numa conversa trivial com a tia, meu nome tenha vindo à tona. E ela, na sua fragilidade momentânea, tenha pensado lá nos cafundós do desejo: “Esse é o cara”. A desculpa do TCC era perfeita para um fiapo de justificativa.
Em resumo, a caça era eu. Ironia do destino: meu fetiche suzânico procurava uma solução homérica. Essa reversão de expectativas me desagradou. Havia potencialmente drama excessivo em jogo. Farejei problemas: curta paixão, grande confusão. Eu havia tido um caso com uma senhora conjugada e foi perigoso e exaustivo. Resolvi não arriscar. Nos despedimos sem marcar outro encontro. E, sintomático, ela esqueceu o TCC.
A dúvida morou em mim por um bom tempo: talvez houvesse valido a pena. Quem pode ter certeza das trapaças da sorte? Nas obscuras e silenciosas horas sem–Suzanas, me arrependia amargamente. (Vale o lugarr-comum.)
Encontrei-a uns cinco ou seis anos depois, num Carrefour: desleixada, bobes no cabelo, empurrando cansada um carrinho de compras. Em seus olhos tremulava toda a tristeza do mundo. Devia ter concluído o curso e tido outro filho, o marido pressionado para ela continuar em casa cuidando da prole etc.
Me cumprimentou constrangida e sumiu entre a prateleira de enlatados e a de utilidades domésticas. Nunca mais nos vimos. Hoje, lembrei desse episódio topando com uma lata de ketchup num mercadinho.