Sotaque e distinção

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
2 min readJan 11, 2025

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Gente de cabeça colonizada andou criticando com horror: ao agradecer o Globo de Ouro de melhor atriz, Fernanda Torres “falou inglês com sotaque brasileiro”. A discussão continua rolando nas redes sociais.

Meto minha colher: isso é puro “Complexo de Vira-lata”, particularmente grave em seres que amam a Disneylândia, sonham em morar em Miami, pedem a bênção a Tio Sam e prestam continência à bandeira americana.

Sotaques são poderosas fontes de distinção. Implicam noções de superioridade, autoridade, prestígio e poder. Quem se julga superior (mentalidade de colonizador) trata de impor sua prosódia. Quem se submete (cabeça de colonizado) imita-o, tentando em vão ser aceito como um igual.

Estrangeiros do Norte (Ops, Ocidente!), estejam na situação de migrante ou turista, cagam pro sotaque local. Já em relação a quem os visita, acatam com prazer a língua do dólar ou do euro, mas nem tentam entender o que falam seus visitantes. (Cansei de ser chamado de Rómerr (Homer) nos EUA; quase voltei um Simpson.)

Internamente, convivemos com o fenômeno: nordestinos sem noção começam a falar imediatamente paulistês ou carioquês mal pisam em terras do Sudeste. Tentam inutilmente se disfarçar para fugir da discriminação. No reverso, cariocas e paulistas vaidosos cultivam seu modo de falar, mesmo morando há décadas no Nordeste.

Tudo em função de quem se julga superior e quem aceita ser considerado inferior. Distinção na veia. A Sociologia (Pierre Bourdieu) explica.

Cenário diferente ocorre quando os falantes descartam atitudes discriminatórias: Dom Hélder Câmara fazia conferências em Paris com carregado acento nordestino. Era entendido e aplaudido.

Já dizia o filósofo Branchu: quem é obrigado a falar sem sotaque é ator ou espião.

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Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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