Sobre tiranos e tiranias

Trecho essencial do “Discurso da servidão voluntária”, do filósofo francês Étienne de la Boétie. Cada um faça sua ilação.

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
2 min readApr 9, 2019
Montaigne era amigo e interlocutor de De La Boétie (Ilustração sem data/autoria)

Recebi do meu amigo Luís Carlos Patraquim, poeta moçambicano:

Pensar que o “Discurso da servidão voluntária” foi escrito no século XVI, por um poeta que morreu com 33 anos e que o discurso, passados quatro séculos, mantém uma cruel actualidade!

“Discurso da Servidão Voluntária” — autor: Étienne de la Boétie

“Há três espécies de tiranos. Chegam uns ao poder por eleição do povo, outros por força das armas, outros sucedendo aos da sua raça.

Os que chegam ao poder pelo direito da guerra portam-se como quem pisa terra conquistada.

Os que nascem reis, as mais das vezes, não são melhores; nascidos e criados no sangue da tirania, tratam os povos em quem mandam como se fossem seus servos hereditários; e, consoante a compleição a que são mais atreitos, avaros ou pródigos, assim fazem do reino o que fazem com outra herança qualquer.

Aquele a quem o povo deu o Estado deveria ser mais suportável; e sê-lo-ia a meu ver, se, desde o momento em que se vê colocado em altos postos e tomando o gosto à chamada grandeza, não decidisse ocupá-los para todo o sempre. O que geralmente acontece é tudo fazerem para transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu. E, tão depressa tomam essa decisão, por estranho que pareça, ultrapassam em vício e até em crueldade os outros tiranos; para conservarem a nova tirania, não acham melhor meio do que aumentar a servidão e afastar tanto dos súbditos a idéia de liberdade que eles, tendo embora a memória fresca, começam a esquecer-se dela.

Assim, para dizer toda a verdade, encontro entre eles alguma diferença, mas não vejo por onde escolher.

Sendo diversos os modos de alcançar o poder, a forma de reinar é sempre idêntica. Os eleitos procedem como quem doma touros; os conquistadores como quem se assenhorea de uma presa a que têm direito; os sucessores como quem lida com escravos naturais.

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Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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