Preconceito e proconceito
Fui acusado de ter “preconceito contra os ricos”, por causa do artigo anterior (Rico não vai ao cinema). Ocorre que, conceitualmente, não existe preconceito reverso.
Preconceito é uma opinião ou um julgamento prévio negativo, genérico e estratificado sobre um grupo social inteiro. Brota em camadas sociais que se acham superiores contra grupos que consideram inferiores: aristocracia x plebe, branco x negro, homem x mulher, rico x pobre. São pessoas portadoras de posições e privilégios que julgam ameaçados pelos despossuídos. O preconceito se dirige de cima para baixo.
Portanto, conceitualmente não existe preconceito reverso. Pobre não cultiva preconceito contra os ricos pela simples razão de que não tem posições nem privilégios a defender. Pode sentir ódio de classe pela percepção da injustiça de nada ter, enquanto outros, humanos como ele, tudo têm. Mas isso é outra história.
A origem psicológica do preconceito está na diferença (étnica, religiosa, de gênero, nacionalidade etc.) e na suspeita dos abonados de que os diferentes cobicem seus bens, posições e vantagens. Sentem medo e o medo é o combustível do ódio — que descamba para a agressão verbal, a violência física e, nos extremos, o assassinato e o genocídio.
Portanto, sendo eu um mero espécime da espécie que Millôr Fernandes classificou de jornalistas sem fins lucrativos, não posso ter preconceito contra os ricos, nem mesmo inveja. Talvez eu seja burro, mas essa falta de desejo ou incapacidade é da minha natureza. Problema ontológico, pois.
Aproveito a deixa para falar de um fenômeno paralelo que chamo proconceito (ou pró-conceito): o preconceito a favor.
Prolifera entre as classes médias cooptadas, que prestam serviços especializados mais bem remunerados e ralam para manter um padrão de vida simulacro do das classes dominantes. Devido à instabilidade inerente à sua condição, essa turma vive assombrada pelo fantasma da perda de posição social e daí tem mais horror aos pobres que seus patrões. Há exceções, claro: a chamada contra-elite.
O fenômeno do proconceito infecta também uma multidão de desfavorecidos. 1 — Os que vivem sob a proteção dos maiorais: capangas, pistoleiros de aluguel, jagunços, seguranças e quejandos. 2 — O rebanho de crentes induzido por pastores que garantem ser possível a qualquer pobre ficar rico. Desde que pague o dízimo.