Os dois Bolsonaros

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
3 min readApr 20, 2020

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Presidente usa a velha tática “um passo atrás e dois à frente” e assim vai avançando rumo ao seu projeto totalitário para o País.

Qual o Bolsonaro verdadeiro e o fake: o democrata ou o defensor da ditadura? Ambiguidade é estratégica.

Não é algo muito inteligente chamar Bolsonaro de burro. Ele é tosco, ignorante e desequilibrado, mas tem aquela inteligência gêmea da esperteza, manejada com eficácia para realizar uma complexa mistificação política.

Talvez com assessoria internacional, cujo intermediário é seu filho Eduardo (que não à toa ele pretendia nomear embaixador… onde mesmo?), Bolsonaro tem agido de forma estratégica, usando a conhecida tática do “um passo atrás e dois à frente”.

Domingo (19/04), compareceu a um ato que pedia intervenção militar, fechamento do Congresso/STF e a volta do AI-5. Não verbalizou nenhuma dessas reivindicações, inteligentemente, como veremos. Mas sua presença em si representava um apoio inconteste a elas. E reforçou-as, claramente, ao proclamar, entre uma tossida e outra: “Não negociaremos nada”. Seu público-alvo era a direita orgânica e seu eleitorado fiel, com o qual ele se cacifa politicamente.

Choveram notas e declarações de protesto, manchetes jornalísticas, indignação nas redes sociais da parte do stablishment que teme seus excessos (acompanhado pelas oposições, que pavlovianamente, se limitam a agir por reflexo condicionado à pauta do presidente).

Conforme planejado, no dia seguinte, o presidente falou para imprensa:

1 — Que era um democrata e valorizava Congresso e STF.

Mentira, claro. Durante 28 anos, o deputado Jair Bolsonaro defendeu a ditadura, a tortura e a morte de 30 mil opositores. Seu objetivo era a parte da elite mais preocupada com sua imprevisibilidade: “Olha, para o meu rebanho tenho que falar grosso, mas se acalmem que não sou um tresloucado”.

2 — Que a manifestação era contra o isolamento social e ele compareceu para lutar contra as consequências da quarentena, pois o povo precisa trabalhar (trecho da fala dirigido aos pobres).

Mentira, óbvio. Em todo o Brasil, o protesto foi convocado, aproveitando o Dia do Exército, para pedir intervenção militar, com a volta do AI-5 (já defendida pelo filho 03). Cinicamente, Bolsonaro atribuiu as faixas a “elementos infiltrados”, debochando da inteligência alheia (teatralmente chegou a repreender um seguidor que insistiu nos slogans fascistas).

Como sói acontecer, a imprensa rasgou chamadas registrando o “recuo” de Bolsonaro, sua devoção à democracia, seu respeito pelo Congresso e pelo STF. E, como das várias outras vezes, não faz a pergunta fundamental: qual dos dois Bolsonaros é o verdadeiro e qual o fake? O do domingo ou o da segunda-feira? O devoto do coronel Ustra ou o que, num ato falho revelador do seu caráter imperial à Luiz XIV, afirmou sem corar: “Eu sou a Constituição”?

E assim segue dizendo uma coisa e fazendo outra, falando e se desdizendo, num comportamento deliberadamente errático, que na realidade é um ousado plano de ir esticando a corda e ver até onde as instituições se acovardam (notas de repúdio limpam a barra de algumas figuras, mas não levam a nada).

Até o momento, nenhuma entidade empresarial se posicionou em defesa da democracia. Nem o exército como instituição (talvez lance uma nota inócua ou um ou outro general diga que ele “foi longe demais”, como se fala a um filho traquinas). O ministro da Defesa afirmou genericamente: “O exército é obediente à Constituição”.

Foram dois resolutos passos na direção de avançar em seu projeto ditatorial. E um tímido passo atrás, como se repete numa encenação monótona. E assim, cada vez ele se aproxima mais de seus objetivos ditatoriais. Quem pode pará-lo?

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Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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