O voto dos evangélicos
O TEMA ESTÁ EM PAUTA A UMA SEMANA DAS ELEIÇÕES. E POUCO SABEMOS DELE.
Reproduzo trechos de entrevista do sociólogo Roberto Dutra a EL PAÍS, de 25 de maio de 2016, que ajuda a entender o fenômeno:
Pode resumir a diferença entre o protestantismo “clássico” e o pentecostalismo?
R. Ele é uma revolução protestante dentro da revolução protestante e surge entre os negros dos EUA no final do século 19, início do 20. Ela se caracteriza por uma crença, muito grande, na força de Deus para mudar as coisas cotidianas. É o que podemos chamar de uma religiosidade mágica. No Brasil, isso chega a partir da década de 1960, com a urbanização da pobreza. Qual é a diferença básica? É que o protestantismo clássico não enfatiza tanto a presença cotidiana do espírito santo para resolver os problemas cotidianos das pessoas. O protestante batista não espera que Deus vá ajudá-lo a passar em um concurso público, já um pentecostal crê nisso. O pentecostalismo é mais popular que o protestantismo clássico. Por isso, com o tempo, vai virando a religião dos excluídos. É uma religião que oferece valor social para os excluídos: Deus tem um projeto para sua vida, você vale alguma coisa.
P. Você disse que existe um preconceito de setores progressistas com os evangélicos. Há uma crítica de que o PT se afastou dos mais pobres nos últimos anos, perdendo espaço para as igrejas. Você concorda com essa avaliação?
R. Acredito que é uma explicação muito reducionista. Eu concordo que o PT se distanciou dos pobres, mas não no sentido de fazer políticas sociais para os pobres. O PT se distanciou culturalmente dos pobres. O PT é informado por uma visão de esquerda de que os pobres devem seguir um modelo de ser e agir que vem dos moldes dos sindicatos. Os pobres devem ser coletivistas. Os pobres devem se enquadrar em um viés de solidarismo anti-individualista. Toda vez que o PT encontra a valorização do indivíduo, a valorização da autonomia do indivíduo frente às intempéries da vida, que, em resumo, é a pregação cotidiana das igrejas pentecostais, o PT aponta o dedo acusatório: “É a pregação do individualismo, é a pregação do neoliberalismo dentro das igrejas”. O PT não entende essa filosofia liberal popular e nem o valor moral do individualismo que está por trás dela.
P. O que você quer dizer com “valor moral do individualismo”?
R. É a ideia de que para ser alguém valoroso na sociedade é preciso ser um indivíduo respeitado em sua privacidade, em seu projeto de vida. De modo que há, de forma muito presente nas igrejas, essa cultura da valorização da iniciativa individual. E isso não significa a negação da solidariedade. Acredito que há uma cegueira do PT em compreender a alma e a cultura dessa nova classe trabalhadora que não é formada no sindicato e que hoje é a maior parte dos brasileiros pobres e remediados do país. Esse é o distanciamento que existe, mas ele não é exclusivo do PT. A esquerda de forma geral não entendeu que o sonho dessa nova classe trabalhadora é, muitas vezes, ter uma empresa própria, ser um empreendedor. É um liberalismo popular que não é, necessariamente, conservador. Hoje, esses ideais liberais de autonomia e afirmação do indivíduo estão em disputa e os conservadores têm conseguido capturá-los com mais eficiência.