O primeiro poeta sideral
Quando a ciência e a poesia se encontraram nas vastidões espaciais.
N o dia 12 de abril de 1961, o cosmonauta russo Yuri Gagárin, 27 anos, se tornou o primeiro homem a viajar no espaço sideral, a bordo da nave Vostok 1, realizando uma órbita completa em torno da Terra, em pouco menos de 2 horas. A 327 quilômetros de altura, voando a uma velocidade de 28 mil km/hora, Gagárin revelou aos terráqueos a cor do seu planeta, via rádio, exclamando: “A Terra é azul!”
Ao lançar aquela interjeição — que, como toda interjeição brotou de forma espontânea — o astronauta russo se transformou no primeiro poeta das lonjuras siderais. Porque Gagárin poderia ter dito outra coisa. Se fosse hoje, quando a praga do terraplanismo se espalha pelo mundo afora, talvez seria necessário que ele ratificasse a informação científica: “A Terra é redonda.” Mas como essa crença mística não começara ainda a marcha a ré cognitiva atual, ele pôde simplesmente revelar o que sua sensibilidade considerara importante, o que o surpreendera e encantara: a cor da Terra. Poesia pura.
Lembrei disso porque, por esses dias, comemora-se outro feito histórico, dessa vez dos americanos, quando no dia 21 de julho de 1969 a nave Apollo 11 pousou na Lua. Como Gagárin, o cosmonauta Neil Armstrong, comandante da missão, que estava sendo não apenas ouvido mas visto pela televisão, também fez sua declaração, igualmente lembrada: “Um pequeno passo para homem (SIC), um salto gigante para a humanidade.”
Armstrong sempre sustentou que também falou espontaneamente a frase bem bolada, com sabor de marketing. Dean Armstrong, seu irmão, afirmou em 2012 que Neil lhe tinha mostrado um rascunho da fala meses antes do lançamento, quebrando o mito da espontaneidade. Isso em nada diminui a afirmação histórica, apenas se ajusta mais ao caráter americano.
Nunca nenhum marqueteiro assumiu a autoria da mensagem, prevalecendo assim, pelo menos em parte, a versão do astronauta.
Para mim, do alto da minha insignificância, considero revelador o detalhe de Armstrong ter cometido um pequeno erro em sua fala, ao omitir o artigo indefinido “um” antes de “homem”. A fita foi periciada várias vezes e a conclusão final é que a palavrinha não foi dita. Pode ter sido a emoção, claro — apesar de os astronautas terem um severo treinamento de controle das emoções, fundamental até para sua sobrevivência em caso de problemas sérios na missão. Mas pode ter sido um problema de memorização: na hora de dizer a frase decorada, esqueceu o artigo indefinido, tão pequeno (“a” em inglês).
É apenas uma especulação minha. Cada um que escolha sua interpretação.