O governo Bolsonaro e a calamidade brasileira
Bolsonaro é pior que os militares, mas os militares não são melhores do que ele. Artigo imperdível na Piauí.
Por Fernando de Barros e Silva
Trechos de artigo publicado na revista Piauí, edição 164, maio de 2020.
(…) Não há no Brasil, até segunda ordem, espaço político para um golpe de manual, na antiga acepção de tomada abrupta do poder pela força. Até porque os militares já estão no poder. Bolsonaro entupiu o primeiro escalão do governo de generais. Estima-se que sejam em torno de 2,5 mil os militares que ocupam cargos de confiança na esfera federal. Estão no filé-mignon da administração pública. É o que se chamava na época do PT de aparelhamento do Estado. Alguém acha que essa gente toda estaria disposta a inibir as tentações autoritárias do presidente? Teria compromisso efetivo com a democracia? Bolsonaro é pior que os militares, mas os militares não são melhores do que ele. Soa estranho? Vamos fingir que o nome disso seja dialética.
O general Hamilton Mourão, herdeiro da cadeira de Bolsonaro na hipótese de impeachment ou na eventualidade de renúncia (ambas por ora improváveis), organizou em 2015, quando ocupava o posto de comandante militar do Sul, uma homenagem à memória do coronel Brilhante Ustra, morto naquele ano. Corria o governo Dilma, e Mourão acabou sendo demitido do cargo pelo então chefe do Exército, general Eduardo Villas Bôas.
Augusto Heleno, atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, mentor de Bolsonaro e patriarca do generalato instalado no Planalto, é um herdeiro da linha dura do regime militar. Atuava como ajudante de ordens do general Sylvio Frota quando este, então ministro do Exército, em 1977, tentou emparedar o presidente Ernesto Geisel. Acabou exonerado por Geisel, a quem criticou publicamente, depois de ser apeado do ministério, por “complacência com a infiltração comunista e a propaganda esquerdista”, conforme relata o jornalista Elio Gaspari em seu livro A Ditadura Encurralada. A abertura do regime avançou. Mais de quarenta anos depois, não consta que as ideias do então jovem capitão Heleno tenham evoluído.
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O que define o bolsonarismo é o desprezo pelo Congresso, pelos partidos, pelas instituições, pela imprensa livre, pela sociedade civil organizada. Ele gosta do caos, ele gosta de dar tiros. Sua opção política funciona porque ele tem o Exército às suas costas. O projeto autoritário de Bolsonaro passa pela atrofia do poder civil e do estado laico, dois pilares da vida democrática.
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(…) Roberto Schwarz ressalva que há uma diferença decisiva entre o atual casamento das pautas arcaizantes do bolsonarismo com a reforma liberal da economia e aquele outro casamento celebrado em 1964. “Cinquenta anos atrás, quem marchava com Deus, pela família e a propriedade eram os preteridos pela modernização, representativos do Brasil antigo, que lutava para não desaparecer”, diz Schwarz. Apesar da “derrota do campo adiantado, continuava possível — assim parecia — apostar no trabalho do tempo e na existência do progresso e do futuro”.
“A deslaicização da política, a teologia da prosperidade, as armas de fogo na vida civil, o ataque aos radares nas estradas, o ódio aos trabalhadores organizados etc. não são velharias nem são de outro tempo. São antissociais, mas nasceram no terreno da sociedade contemporânea, no vácuo deixado pela falência do Estado. É bem possível que estejam em nosso futuro, caso em que os ultrapassados seríamos nós, os esclarecidos.”
A íntegra do artigo pode ser lida aqui:
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/dentro-do-pesadelo-2/