Moro no Senado
Algumas considerações sobre a performance do ministro ex-juiz: segurança, autoconfiança, amnésia, mentira, melindre e tortura à lógica.
O que se viu no depoimento de Sérgio Moro no Senado: ele sofre de amnésia, mentiu, tem duas palavras e parece um robô avariado, repetindo mantras o tempo todo. E, principalmente, sofre de uma síndrome autoritária de acusar (e condenar) sem provas.
Por outro lado, é ousado, determinado e disciplinado. A oposição quase não conseguiu tirá-lo do script de vítima de uma grande conspiração, que seria também contra as instituições.
Dono de enorme capital político (obtido, não graças a seus méritos, mas à imprensa que o transformou em herói nacional na campanha para tirar Lula da campanha presidencial e prendê-lo, com a desculpa de combate à corrupção), ele se apresentou muito seguro de si, a ponto de se recusar a responder às perguntas do senador Humberto Costa, alegando serem elas “ofensivas”. Ocorre que esse Moro melindroso estava ali na qualidade de depoente, embora voluntário, e seu dever era responder às perguntas dos parlamentares. E não, autoritariamente, decidir o que seria conveniente ou não responder, como se continuasse sendo o juiz naquela sessão (o uso do cachimbo entorta a boca). Foi um dos poucos momentos em que o Moro fugiu da cartilha e deixou entrever sua verdadeira face, antidemocrática e autoritária.
Malandramente, ora diz que não disse, depois diz que se disse não é nada demais. Disse ou não disse? Não lembra de nada, amnésico confesso. Mas a sua é uma amnésia de conveniência, claramente para esquivar-se das questões levantadas. Tal qual o deputado Manoel Moreira, no depoimento da CPI do escândalo dos Anões do Orçamento, em 1993, que “esqueceu” que era dono da Fazenda Flores Alegres. É estratagema de que muitos malfeitores lançam mão, rezando para que as provas futuras nunca apareçam. Mas às vezes elas aparecem, como a escritura no nome daquele deputado. Acontecerá o mesmo com Moro? Aguardemos.
Faltou com a verdade, negando todas as ilegalidades no processo da Lava Jato, simplesmente dizendo que não eram ilegalidades. Caso do estratégico vazamento ilegal da escuta da presidenta Dilma, condenado pelo ministro do STF Teori Zavascki. Moro apenas pediu desculpas e foi em frente, montado na blindagem da mídia. E continua sustentando, impassível como um bode na chuva, que é imparcial quando a articulação com o Dallag-nol e sua turma revela o contrário. Ele blefa, esperando que o Telegram não abra seus arquivos na nuvem, uma maneira de invalidar ou confirmar os diálogos verossímeis publicados até agora que, se ainda não são prova, produzem um poderoso sentimento de convicção, pois não.
Moro, aprendiz ligeiro dos piores cacoetes dos políticos, não tem o menor pudor em dizer algo e se desdizer depois, se achar necessário. Defendeu o uso de “provas ilícitas colhidas de boa-fé” ao apoiar as “10 Medidas contra a Corrupção”, do Ministério Público Federal, e agora se diz veementemente contra, por conta dos vazamentos publicados pelo Intercept. É homem de duas palavras: faça o que digo, mas não faça o que faço.
Como um robô danificado, repetiu o tempo todo, como um mantra, a narrativa que construiu em sua defesa, a de que está sendo vítima de um ataque cibernético e que não reconhece a autenticidade de “supostas mensagens obtidas por um grupo organizado de criminosos, que podem ter sido editadas e manipuladas”. Ele não tem qualquer prova disso, uma vez que as investigações, sob comando dele mesmo, mal começaram. E o Intercept não revelou a fonte dos vazamentos. Para quem condena sem provas, fazer acusações desse tipo é fichinha. Usando o método goebeliano, balbuciava mil vezes as palavras-chave: “grupo criminoso”, “hackers”, “supostas mensagens”, “editadas”, “manipuladas”, “sensacionalismo”, “revanchismo”, “imparcialidade”.
Por fim, lançou mão da velha técnica falaciosa de se fazer passar pela própria instituição judicial (feito um imperador do Judiciário a proclamar “a Justiça sou Eu”). Tentando blindar-se contra as evidências, assume a postura de um intocável: “Quem está contra mim é porque é a favor da corrupção e amigo de bandidos”. Tática diabólica, com a qual ganha pontos junto à parcela mais fanatizada e obtusa do eleitorado bolsonarista, que reproduz seus sofismas automaticamente.
Apesar de disciplinado na recitação do seu papel, Moro torturou a lógica com as desencontradas versões de que as mensagens são falsas, mas, se forem verdadeiras não contêm nada demais. É um oponente perigoso, frio e ousado.