Galo: 2,5 milhões de foliões?

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
2 min readFeb 21, 2023

Cobertura espetaculosa do Carnaval inflacionou número de foliões, no Recife, Salvador e Rio, até extrapolar para inacreditáveis 2,5 milhões.

A mídia bateu seu próprio recorde e cravou estratosféricos 2,5 milhões de pessoas no desfile deste ano.

Era 1996. O Galo da Madrugada estava à beira de comemorar 20 anos. E se tornara um fenômeno: uma grande atração turística e um signo inconteste da cidade. Porém, um milhão de foliões? À época, o Recife tinha cerca de um milhão e meio de habitantes…

Eu estava à frente da redação do Diario de Pernambuco e desconfiava de que aquela conta não batia.

[Sabe-se como o mito do milhão nascera: na disputa por espaço na cobertura espetaculosa da Rede Globo, as notícias enviadas do Recife e de Salvador foram inflando os números, ano a ano, numa corrida ufanista: 500 mil, 600 mil, 700 mil… um milhão. Toda a mídia acompanhou a contagem inflacionária. Claro, o desfile crescia ano a ano, em boa parte pelo efeito do noticiário hiperbólico. Até o Rio de Janeiro, que não podia ficar atrás no marketing carnavalesco, tascou: o Cordão da Bola Preta também juntava um milhão de foliões. Logo logo, São Paulo entra na onda. É marketing na veia. ]

Agora, em 2023, a extrapolação numérica atingiu o auge: 2,5 milhões de pessoas no Galo!

Lá em 1996, para tirar minhas dúvidas, pedi ao engenheiro Fritz Guedes que calculasse, com base nos mapas cartográficos, quantas pessoas o percurso do Galo comportava. Resultado: 400 mil[*] (o que é um número impressionante, por qualquer parâmetro).

E agora? Desmentir o milhão colocaria o vetusto jornal como estraga-festa, além de não surtir o menor efeito na maré midiática. E eu perigava virar “o inimigo do povo” (como o coitado do Dr. Thomas Stockmann, na célebre peça de Henrik Ibsen), quem sabe acusado de agente de alguma nação estrangeira. Resolvi não nadar contra a corrente das emoções e interesses entrelaçados.

Porém, só por desencargo de consciência (já que não ia desmentir o mito, também não o validaria!), orientei as editorias a não falar no fictício número mágico. Sempre que se pensasse no “um milhão”, se escrevesse “uma multidão”. E assim foi feito.

Pronto, contei história.

— — — — — — — — — —

[*] De 1996 para cá, provavelmente aqueles 400 mil foliões aumentaram por transbordamento da área ocupada, mas as ruas do Recife não são elásticas para abrigar tanta gente mais.

--

--

BLOGUE DE HOMERO FONSECA

Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).