Galinha de macumba e chacina de jovens negros
Protestamos contra maus tratos aos animais (justo), mas somos indiferentes à morte de milhares de jovens negros nas periferias (injusto).
Uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 2004, provocou uma batalha jurídica em que questões candentes, como racismo, liberdade religiosa e direito dos animais, estiveram no centro das discussões. A lei acrescenta um parágrafo ao Código Estadual de Proteção dos Animais, autorizando o sacrifício ritual na liturgia das religiões afro-brasileiras. O Ministério Público do RS entrou com ações e recursos contra a lei e o caso foi parar no STF que, em março do ano passado, derrubou a pretensão dos procuradores gaúchos.
O caso foi noticiado à época, mas somente agora tomei conhecimento da íntegra da curta defesa oral feita pelo advogado Hédio Silva Junior, representante das religiões de matriz africana. Em sua brilhante argumentação, o professor Hédio, doutor em Direito pela PUC-SP e calejado defensor da causa negra, denuncia racismo religioso no caso e compara a comoção causada pela morte de um animal com a indiferença perante a chacina de milhares de jovens negros nas periferias brasileiras:
“Não vejo comoção na sociedade brasileira, não vejo instituição jurídica ingressar com medida judicial para evitar a chacina de jovens negros mortos como cães na periferia. Mas parece que a vida da galinha da macumba vale mais que a vida de milhares de jovens negros. É assim que coisa de preto é tratada no Brasil. A vida de preto não tem relevância nenhuma, a vida de preto não causa comoção social, a vida de preto não move instituições jurídicas, mas a galinha da religião de preto, ah, tem que ter sua vida radicalmente protegida.”
O discurso é curto (8 minutos), contundente e irônico (lembra até o uso do vinho, uma bebida alcoólica, diante de crianças em liturgia de outras religiões). Vale a pena ver/ouvir aqui:
