Elogio da vaidade

Ela é a matriz de todas as artes. Mas pode virar uma droga pesada. O problema está na (des)proporção entre vaidade e talento.

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
2 min readFeb 19, 2022
Eco e Narciso (1903), John William Waterhouse

Quão bom seria um mundo sem vaidade, não é mesmo? Porém, seguramente não teríamos a Nona sinfonia, nem a Mona Lisa, nem Dom Casmurro, nem tantas obras-primas mundo e tempo a fora. A vaidade, camaradas, é o motor da criação artística.

Claro, há vaidades e vaidades. O Houaiss, baseado na etimologia (do latim vanitas, vanitatis), define vaidade como qualidade do que é vão, vazio, firmado sobre aparência ilusória, fatuidade, presunção etc. E também como desejo de ser reconhecido ou admirado pelos outros. Essa é a acepção a que me refiro, o resto é fuleiragem. Ela é fundamental para as pessoas criativas em geral, o impulso primitivo que leva homens e mulheres a se empenhar, suar, se angustiar em busca de uma migalha de aplausos. Tudo é uma questão de proporcionalidade: se a avaliação muito lisonjeira que alguém tem de si mesmo não corresponde ao seu talento, aí sim, temos o cabotino.

Conheci alguns grandes vaidosos, como Gilberto Freyre, por exemplo. Mas, alto lá: a vaidade dele era proporcional ao seu talento, à sua obra inovadora e polêmica, à sua contribuição ao nosso autoconhecimento como nação. Gilberto escreveu (Tempos mortos e outros tempos) que gostava de elogios como uma criança gosta de bombons, mas não de louvor vindo de qualquer um. Ansiava, pois, por um elogio qualificado. E, certa vez, provocado pelo jornalista Geneton Moraes Neto, se reconheceu um gênio. O danado é que era mesmo.

Chato é aturar pigmeus que se julgam gigantes. Mas aí não vale a pena se ocupar de tais figuras.

Entre os escritores, a vaidade já foi definida até como uma droga pesada. No dizer da escritora e ensaísta espanhola Rosa Montero, no extraordinário A louca da casa:

A vaidade, para nós, é de fato como uma droga pesada, uma injetada de reconhecimento externo que, como toda droga, nunca sacia a necessidade de aprovação de que padecemos. Ao contrário: quanto mais cedemos à vaidade (quanto mais nos picamos), mais precisamos. (…) Enfim, como para nós a vaidade é uma droga, a única maneira de não ficar escravo dela é abster-se de seu uso o máximo possível. Coisa verdadeiramente difícil, porque o mundo de hoje fomenta a vaidade até o paroxismo.

Por isso que, quando leio ou ouço um escritor dizendo que escreve sem pensar no leitor, desconfio logo: esse, além de vaidoso, é mentiroso. Imagino o camarada a roer as unhas esperando o parecer de uma editora…

A vaidade é necessária e útil, desde que usada com moderação e senso de proporcionalidade.

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Written by BLOGUE DE HOMERO FONSECA

Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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