Roberto Carlos irreconhecível

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
3 min readAug 21, 2021

--

A surpreendente 1ª gravação do cantor de voz pequena, macia e afinadíssima, descartado por uma gravadora e que depois virou ídolo.

Ele — quem diria — começou cantando Bossa Nova e se deu mal.

Era 1959. Roberto Carlos, que se tornaria o maior fenômeno da música comercial brasileira, estava na idade dos 18 e havia dois anos que aportara no Rio de Janeiro, então capital do país, vindo do Espírito Santo. Chegara firmemente decidido a se tornar um “cantor de rádio”. Desde então se empenhava no roteiro obrigatório e sofrido dos iniciantes: se enturmar com a galera do meio musical, cantar aqui e ali num barzinho ou festinha, fazer parte de um conjunto de iê-iê-iê na zona norte carioca.

A descoberta da bossa nova, o novo ritmo surgido na zona sul do Rio, foi fulminante. A batida do violão, a síncope, a voz curta — matrizes do gênero — enfeitiçaram o jovem artista. Arranjou um emprego de crooner na Boate Plaza, em Copacabana, e não se fez de rogado: munido de um banquinho e um violão, soltava a voz — pequena, macia, afinadíssima — nas composições de Tom & companhia.

Um irrequieto produtor musical, Carlos Imperial — também compositor, nas horas vagas — resolveu apostar no cantor então desconhecido. Conseguiu convencer a gravadora Polydor a lançar um 78 rotações (como se dizia dos discos de acetato), com duas canções: no lado A, uma que ele havia criado em parceria com Roberto (“João e Maria”), e, no lado B, outra de sua exclusiva lavra (“Fora do tom” — referência meio troncha a Tom Jobim, o maestro da bossa nova).

A gravação ficou muito boa, para os padrões tecnológicos da época. Mas não vendeu lhufas. Sucesso: zero. O problema talvez fosse que o ótimo cantor imitava descaradamente João Gilberto, o gênio da bossa nova. E o público seletivo que curtia o novo ritmo certamente preferia o original, apesar da notável imitação.

A Polydor, sem mais conversa, dispensou o novato. Ah, se seus executivos adivinhassem! Teriam mantido o cara no seu elenco a qualquer custo e investido em algo diferente, explorando, por exemplo, o filão do público juvenil, com quem o jovem artista sem dúvida seria mais identificado. Mas não tinham esse dom e perderam uma mina de ouro. Roberto Carlos personagem sentiu o baque, passou quase quatro anos no ostracismo e resolveu voltar ao iê-iê-iê — focando numa carreira justamente voltada para o grande público adolescente. O sucesso veio em 1963, já no formato elepê de vinil. A primeira faixa e a terceira explodiram nas paradas, catapultando o jovem artista para a fama e a fortuna[1]. O resto é história.

Auela primeira gravação do Rei, na insuspeita batida bossa nova — hoje uma relíquia musical –, está aqui, porque hoje é sábado:

www.youtube.com/watch?v=d0Y6AgZlx7Q

A primeira versão deste texto foi publicada em 21/08/2021 e reescrita em 28 de agosto de 2021.

====================

[1] “Parei da contramão” (Roberto e Erasmo Carlos) e “Splish splash” (Bobby Darin e Murray Kaufman — versão: Erasmo Carlos).

--

--

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
BLOGUE DE HOMERO FONSECA

Written by BLOGUE DE HOMERO FONSECA

Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

No responses yet