DP, 1996: enfim, os computadores

A fantástica saga da informatização tardia da Redação do vetusto Diario de Pernambuco.

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
3 min readJan 9, 2024
Quase toda a equipe do DP posou para a história. Mas em 1º plano, está o protagonista. Foto: Ayron Santos.

Era novembro de 1996. Depois de mil peripécias, finalmente a Redação do velho DP era informatizada, graças a uma gambiarra feita no peito, na raça e na doidice.

Ivan Maurício havia deixado a editoria geral, no bojo do conflito entre os Diários Associados, à frente Joezil Barros, e Eduardo Monteiro, do Banco Mercantil, que dirigia o jornal. Eu era editor-adjunto e assumi meio precariamente: Eduardo não conseguia me efetivar, nem Joezil tinha cacife para me vetar. Ivan havia tocado um notável trabalho de realinhamento editorial e renovação da equipe. Tratei de fazer a minha parte, como se não existissem problemas.

Antes de deixar o jornal, Ivan havia dado o primeiro passo na atualização tecnológica do velho DP: criara uma página na nascente WWW — World Wide Web, a popular Internet, onde progressivamente se colocava o conteúdo do jornal impresso. Era um passo importante. No entanto, o DP continuava um dos últimos grandes jornais brasileiros com a Redação analógica, ou seja, movida a máquinas de datilografia. Com um atraso de vários anos em relação ao nosso concorrente, o JC — o que mexia com nossos brios. E me incomodava uma propaganda enganosa veiculada às sextas-feiras na televisão, em que o antigo editor local, Carlos Cavalcanti, aparecia à frente dos terminais de computadores do setor industrial (pré-impressão), como se fosse na Redação.

Perguntei à gerência de Tecnologia porque a Redação estava atrasada nesse quesito. Disseram que haviam elaborado um plano completo, tudo up-to-datec com equipamentos e programas top, entregue à Diretoria. Fui falar com Paulo Pugliese, diretor administrativo-financeiro. Ele disse que o investimento previsto era muito alto (2 milhões, não lembro se em dólar ou real) e estava em avaliação. Intuí que o negócio ia demorar.

Então, um belo dia, na reunião diária entre chefes dos vários departamentos da empresa, o jovem e dinâmico engenheiro Fritz Guedes, gerente industrial, informou que adquirira uns terminais mais modernos. Perguntei o que ele ia fazer com os velhos. “Jogar fora” — foi a resposta. Provoquei: “Por que não me cedes as máquinas? É possível recolocá-las na Redação?” Com a resposta positiva, caí em campo, com a adesão imediata da secretária de Redação, Paula Losada. Chamei o gordo e fleumático Meuse Nogueira, que trabalhava na revisão e vivia falando nas maravilhas das novas tecnologias, para me assessorar, pois eu pouco conhecia de computação em rede.

A Diretoria deu aval à experiência um pouco maluca. O setor de TI começou a treinar o pessoal, enquanto todos trabalhavam. Estávamos consertando o avião em pleno voo. A arquiteta Ceci desenhou a planta do salão e as novas bancadas e chamou os marceneiros para executar. As paredes tinham uma pintura lúgubre: barras marrom radical e o resto num ocre azedo: parecia uma sucursal da Sucam — antiga e heroica repartição de combates aos ratos (endemias em geral). Consultei alguns editores e escolhemos a cor azul. Com nova rede elétrica, o amplo salão ficou parecendo um palco iluminado.

Colocamos a funcionar metade da Redação (editoria a editoria) com os velhos terminais: a outra metade continuava na datilografia. A Diretoria, vendo que a gambiarra tava funcionando, comprou 67 PCs para os editores e repórteres, mais vários MacIntosh para a Arte e Fotografia e adquiriu programas de edição e paginação (os velhos terminais não duraram nem 3 meses: foram jogados fora mesmo). Em certo momento, como lembra o então editor de Informática, Kennedy Michiles, “rodavam” simultaneamente três sistemas tecnológicos: máquinas de escrever, os terminais burros (apelidados KK-bell-trans, por ser este o primeiro comando para acessar) e PCs. Milagrosamente, deu certo.

Alguns profissionais das antigas não se acostumaram, a começar por Zé Maria Garcia, venerando chefe da Diagramação. Um paginador ficava ao seu lado, transportando para a máquina as páginas desenhadas por ele. O repórter Zadock Castelo Branco escondeu a máquina de datilografia atrás de uma cortina e pagava por fora a um digitador para refazer seus textos (depois aprendeu e se acostumou). A turma jovem se entusiasmava.

Enfim, no dia 7 de novembro de 1996, quando o vetusto DP completava 171 anos, a Redação entrou enfim na Era da Informática.

Publicado em 10/01/2024. Atualizado em 11/01/2024.

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Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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