Confissões de um espermatozoide
Meus 150.346.213 colegas me chamam de O Filósofo. Talvez porque eu seja o mais velho e mais esperto entre eles. Vivo por opção na região mais esconsa do testículo esquerdo. Longe do burburinho do dia-a-dia. Já vi gerações de gametas nascerem, crescerem, se multiplicarem e saírem em louca disparada — feito um gaúcho-, mal acendem-se as luzes, abrem-se as portas e um longo corredor é esticado à sua frente.
Me pergunto sempre se vale a pena entrar nessa correria alucinada, em que o destino da esmagadora maioria de nós é simplesmente morrer numa questão de horas, no máximo, de dias.
Do alto da minha velhice, digo terceira idade, sei que, se tudo correr bem, de mais de 100 milhões de companheiros lançados a cada ejaculação, apenas um chegará a seu destino depois de percorrer um verdadeiro labirinto, enfrentar toda sorte de obstáculo — inclusive os exércitos de anticorpos vaginais, uma tropa de choque bem truculenta — e, já quase exausto, conseguir, à custa de cabeçadas e liberação de enzimas, infiltrar-se no gigante adormecido chamado óvulo. Ufa!
Dois ou mais são raros e se chamam gêmeos. E se passam de quatro dão manchetes em jornais sensacionalista no mundo todo. Hoje, o destino mais comum do espermatozoide é terminar atulhado num invólucro plástico, descartado na primeira lixeira.
Sem falar dos milhões que, durante os jogos recreativos, são lançados em outros orifícios, sem a menor chance de cumprir a razão de nossa existência espermatozodial, que é fecundar.
Mas o pesadelo dos espermatozoides são os alarmas falsos em que nosso exército é mobilizado, entra em formação, dispara pelo corredor peniano… e é simplesmente lançado fora! Vocês sabem do que estou falando. Não existe nada mais frustrante — nem mais mortal — para um pobre gameta masculino.
Infelizmente, com a moda de todo mundo viver num mundo virtual, esse vício mortífero ainda vai acabar com nossa raça. Temo que sejamos uma espécie em extinção.