Chamar a Polícia ou chamar a Imprensa?
Enquanto se discute o suposto dilema de Manuela D’Ávila, as intenção de Moro de apagar as provas e deportar Glenn Greenwald são a última pá de cal em nossa cambaleante Democracia.
Uma economista de fino trato pergunta no Twitter, a propósito de Manuela D’Ávila ter passado o contato do hacker da Vaza Jato a Glenn Greenward: “Vejo um assalto. Chamo a Polícia ou aviso a um jornalista?” Ela parte do pressuposto de que Manuela deveria ter denunciado o caso à PF, ao invés de fazer a ponte entre o hacker e o jornalista investigativo. É o tipo de pergunta que envolve postura ética e legal e que parece conter uma única resposta certa, uma verdade evidente, um truísmo. Mas não é bem assim. Vamos acrescentar um detalhe à cena: “Vejo um crime praticado por um policial. Chamo a Polícia ou aviso à Imprensa?”
Imaginemos que a doutora fosse uma moradora da Rocinha e no dia 14 de julho de 2013 visse seu vizinho, o pedreiro Amarildo Dias de Souza, trabalhador sem ficha criminal, ser arrastado de sua casa, sem mandado judicial, por um destacamento de PMs.
Ela deveria ter chamado a própria PM ou ter avisado a um jornalista?
Hoje, sabemos que a resposta certa seria chamar a imprensa. Talvez a vida de Amarildo tivesse sido salvada. Desnorteada, a vizinhança e a própria família, com medo e sem contatos na mídia, resolveram esperar. Quando deram parte à Polícia, era tarde demais. Até hoje o corpo de Amarildo não foi localizado.
Como jornalista, quando eu estava na ativa me defrontava com frequência com dilemas éticos maiores ou menores. Em muitos casos as opções são claras, noutros são mais complexas. É preciso examinar cada caso.
Voltando à Vaza Jato. Pergunto: quando o desconhecido revelou a Manuela que tinha matéria que envolvia Sérgio Moro, superior hierárquico da PF, teria algum sentido dedurar o caso à própria PF? Ou a um jornalista investigativo, agraciado com o Prêmio Pulitzer (espécie de Oscar do jornalismo), que já havia tratado caso de vazamentos de repercussão internacional (o caso Snowden, documentos da agência de espionagem americana NSA — ), com profissionalismo e seriedade?
Muita água ainda vai rolar. Por enquanto, discutem-se perfumarias e continua deixado de lado o mais importante: o conteúdo das conversas.
Digamos que Manuela, inocentemente, passasse o caso para a PF. Provavelmente nada seria denunciado do escândalo da Lava Jato. Duvidam? Taí Moro, com a ousadia de quem tem costas quentes, ameaçando apagar todo o material, numa evidente tentativa de destruição de provas e obstrução da Justiça. Isso depois dos vazamentos e da confirmação da autenticidade do material por vários jornalistas e veículos de imprensa. Imaginem se tudo chegasse às mãos dele sem conhecimento do público? E pra completar, edita a toque de caixa portaria 666 abrindo brecha para deportar sumariamente o jornalista americano.
Se Moro realmente conseguir apagas as conversas comprometedoras para que não sejam confrontadas com o material publicado pelo Intercept e parceiros e ainda deporte Greenwald simplesmente por considerá-lo “pessoa perigosa”, o estado de exceção estará lacrado de uma vez. Se depender do Mercado e de nossas elites em geral não vejo motivos para otimismo.