Celso, Ivan: presentes!
Eles eram o decano e o caçula de um dos mais criativos períodos do jornalismo pernambucano.
Dos nomes que marcaram o jornalismo pernambucano na segunda metade do século 20, Celso Marconi (93) e Ivan Maurício (72) eram o remanescente vivo mais velho e o mais jovem, respectivamente. Ambos, apesar dos 20 anos de diferença entre si, experimentalistas juramentados.
Ivan começou precocemente: beirava a maioridade legal e já reportejava no Diário da Noite. Também tinha talento nas artes gráficas e visuais e isso foi importante para as funções que exerceu. Gostava de dar oportunidade aos novos e delegava até quase as raias do absurdo. Era cordato, falava baixo, sabia ouvir e respeitava os colegas. Cabra exímio na difícil arte de trabalhar em equipe. Entretanto, debaixo daquela planície bucólica, rugiam placas tectônicas. Obsessivo quando o assunto era inovação, forçava os limites até quase a irresponsabilidade.
Quando diretor da TV Pernambuco arrancou a porta do gabinete, dando livre trânsito à equipe e visitantes.
À frente do semanário Jornal da Cidade, escalou um repórter esperto para fazer uma entrevista consistente com um trabalhador para uma edição do 1º de Maio. A matéria era pura luta de classe — o operário desancava o patronato — e foi publicada com destaque. Só que o falante era empregado da gráfica do próprio jornal. Justiça seja feita: o dono, Vanildo Aires, engoliu a seco, mas com elegância.
Secretário de redação do Diário da Noite, Ivan abriu contato tão amplo e intenso com as comunidades populares que deixou um vestígio físico no elevador do edifício do JC, onde funcionava também o vespertino: de tão acionado pelos visitantes, o botão do 3º andar perdeu a tinta branca com o número 3, apagado pelos dedos suados de uma danação de leitores-colaboradores.
Editor chefe do Diario de Pernambuco, empenhado na renovação da equipe e da alma do velho DP, nomeou um estagiário para substituir um antigo editor de automobilismo — troca que se mostrou correta. Ao colocar um jovem repórter como editor do Caderno Viver, instruiu a equipe: “Inovem sempre. Se tiver de botar uma foto de cabeça pra baixo, não hesitem”. Menos de um mês depois, a capa do suplemento cultural vinha com uma enorme foto invertida de Carmen Miranda, a troco de nada. Ivan sustentou a barra do editor, assumindo a responsabilidade. Só não deu pra segurar quando, no Dia da Mulher, a principal matéria era uma homenagem a uma conhecida cafetina do Recife.
Ele imprimia sua marca de inquietude onde atuasse, inclusive na política e na administração pública. Quando algumas vezes trabalhamos juntos, ele era o caos (criativo); eu, o método: dava uma boa liga. Nos últimos anos, divergimos politicamente, com respeito mútuo.
Celso Marconi tinha virado a chave dos 40 anos, quando Ivan começou no jornalismo. Como editor e crítico de cinema, Celso esteve ao lado de todas as vanguardas. Deu espaços fundamentais para o crescimento da Livro 7 de Tarcísio Pereira e era parceiro de Jomard Muniz de Brito e Paulo Bruscky nas incansáveis provocações culturais. Passado dos 90 anos, ainda escrevia crítica de cinema na internet. Lugar comum à parte, nunca deixou de ter a alma de um jovem. Celso e Ivan deixam saudades e um legado significativo na vida cultural e política deste Pernambuco velho de guerra.
Morreram em 2 de janeiro, dia do meu aniversário (76). Não acredito em mal-assombros, mas isso tem um significado: não está longe o momento em que me juntarei a eles.
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Atualizado em 8 JAN 2024