Capitalismo e coronavírus
Imaginem o Deus Mercado solto na buraqueira gerenciando a nova Grande Crise Mundial.
O capitalismo tem suas funções, mas deve ser mantido dentro da jaula. O tamanho do estado depende das necessidades de uma sociedade e não de abstração ideológica (quanto mais desigual — logo conflituosa — for uma nação, mais o estado é necessário). Entregar o comando ao mercado é suicídio coletivo. Tudo isso está sendo demonstrado agora mesmo, ao vivo e em cores sombrias, com a pandemia do coronavírus.
O capitalismo é o verdadeiro Leviatã de hoje, com seu apetite insaciável por lucros, sua irracionalidade e sua absoluta falta de sensibilidade a tudo que é humano (repito: ele é necessário, mas sob controle rígido). Um de seus mecanismos básicos, que até as pedras conhecem, é a lei da oferta e da procura. O mundo está ameaçado pelo coronavírus? Então, vamos aumentar os preços do álcool gel, das máscaras, das luvas e do papel higiênico.
Uns exemplos colhidos aleatoriamente:
Diante do cenário de temor que as pessoas estão tendo, contra o coronavírus, o Procon-PE fez uma pesquisa, e constatou que o álcool em gel aumentou 53% e máscaras aumentaram 100,80%. Isso foi noticiado em 28 de fevereiro![1]
Anteontem (13/3/2020), o Ministério Público Federal de Santa Catarina soltou uma nota alertando os senhores capitalistas de que aumento abusivo de preço é crime. A nota cita distribuidores e vendedores de produtos hospitalares, farmácias, drogarias, mercados e supermercados[2]. Se eles estivessem baixando os preços em solidariedade às pessoas, não seria necessária a advertência, né? Mas aproveitar-se da situação faz parte da natureza do negócio, como todos sabem.
Na Folha de S. Paulo de hoje (15/03/2020), o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale — liberal de carteirinha — afirma que “o momento atual demanda medidas de efeito rápido, como linhas de crédito para que empresas sobrevivam à falta de capital de giro, taxas mais baixas de juros e aumento de gasto público específico para a área de saúde”. Precisa ser mais claro? Valhei-me meu Santo Estado![3]
Agora mesmo, na França, o presidente Macron decretou o tabelamento de preços do álcool gel[4]. A medida vai de encontro ao credo do liberalismo e é a maior assombração dos liberais, como é de conhecimento público. Argumentam, com alguma razão, que ela provoca desabastecimento e mercado negro. Mas é onde liberal Marcon se agarrou para não se afogar no tsunami do coronavírus.
ENFRENTANDO AS CRISES
Quando o mundo quase naufraga no famoso crack da Bolsa de Nova Iorque, a crise durou anos e só foi debelada por medidas heterodoxas (forte investimento estatal) adotadas pelo governo F.D. Roosevelt, inspiradas no economista socialdemocrata John M. Keynes. (Liberais extremos não gostam de falar muito dessa história.) Isso é de conhecimento geral.
Em setembro de 2008, na grande crise mundial começada com o estouro da bolha imobiliária nos EUA, o governo americano torrou US$ 700 bilhões em uma semana para socorrer bancos à beira da falência por conta de investimentos em títulos imobiliários podres. Bilhões foram depois liberados para grandes empresas, como a General Motors. O editor e colunista do insuspeito The Wall Street Journal, Gregory Zuckerman, afirmou em 2013: “Na verdade, o FED (Banco Central americano) e o governo ajudaram muito mais o mercado do que as pessoas. Desde 2009, o mercado vem se recuperando, enquanto as pessoas ainda estão lutando para conseguir de volta o que perderam com a crise”.[5]
FONTES:
[1] Panorama Farmacêutico: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/02/28/procon-constata-aumento-de-precos-nas-farmacias-por-causa-do-coronavirus/
[2] MPFSC: https://www.mpsc.mp.br/noticias/novo-coronavirus-mpsc-alerta-que-aumento-abusivo-de-preco-e-crime
[3] Folha de S. Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/coronavirus-reacende-discussao-sobre-papel-do-estado-na-economia.shtml
[4] UOL, 04/03/2020: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/04/coronavirus-para-evitar-precos-abusivos-franca-tabela-preco-de-alcool-gel.htm
[5] Época Negócios, 25/09/2013. https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2013/09/o-mundo-depois-da-crise-de-2008.html
