Bolsonaro sem improviso

Rápida análise semiótica do pronunciamento “para o mundo” revela um Presidente-Fake.

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
2 min readAug 24, 2019

No pronunciamento da noite passada, provocado pela reação mundial às queimadas na Amazônia, o presidente Bolsonaro, para não dizer besteira, foi obrigado a seguir rigorosamente um script. Teve de abandonar seu papel de cafajeste suburbano, com o qual grande parte do seu eleitorado se identifica, para assumir o de “estadista”. Mas visivelmente estava pra lá de desconfortável.

Puseram-lhe uns óculos pouco usuais — com a intenção de emprestar-lhe um ar de seriedade — e modificaram seu penteado à Hitler, tão caprichosamente ostentado na célebre foto na barbearia, no dia em que esnobou o ministro do Exterior da França, Jean-Yves Le Drian.

Provavelmente, prevendo a tensão provocada pela dissonância entre seu Eu real e a interpretação frente à câmera, deram-lhe um Rivotril.

O que pôde se ver no pronunciamento foi um homem apático, incapaz de transmitir o menor sinal de convicção e firmeza. Também pudera. O conteúdo do discurso — bastante moderado para o padrão bolsonariano — contrariava as ideias profundas do orador. Tudo que ele vinha falando e agindo sobre a Amazônia era o contrário: menos preservação, mais agronegócio; menos índio, mais fazendeiro (que realizaram o “Dia do Fogo”, em 10 de agosto, provavelmente agravando as queimadas); menos fiscalização, mais incentivo ao desmatamento (lema seguido ao pé da letra pelo ministro Ricardo Salles).

A falsificação do conteúdo ficou evidente com a supressão de palavrões, como “porra”; de termos escatológicos referentes a excrementos humanos (tão do gosto do seu guru Olavo de Carvalho) e da não repetição de um vício de linguagem bem característico, a famosa expressão “talkey?”

Dentre os signos visuais facilmente destacáveis sobre a performance presidencial, assinalei na foto: 1) O cabelo cuidadosamente arrumado, abandonando o visual à Hitler. 2) Os olhos baços de Rivotril. 3) O desencontro da arcádia dentária superior com a inferior. 4) Os óculos raramente usados para acentuar a “seriedade”. 5) O maxilar contraído, entortando levemente a boca.

Pela emissão da voz, percebia-se que o sr. presidente estava com a garganta seca, sintoma recorrente quando alguém se sente acuado e submetido a extrema tensão, mas isso não é demonstrável visualmente.

Por fim, a imagem que inundou os lares brasileiros e que tentava “falar para o mundo” acrescentou mais uma categoria às falsificações de notícias, de fotos, de palavras em circulação desde a campanha presidencial: a de um Presidente-Fake.

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Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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