A prece particular de Pií
Chamavam-no Pií. Nem ele mesmo sabia mais há quanto tempo vivia na rua. Acordava sem ter nada para comer.
Alimentava-se de restos de frutas nas feiras, alguma esmola e pratos de sobras de panelas dados por garçons solidários.
Às vezes, estudantes boêmios, frequentadores de um bar decadente do centro da cidade, pagavam-lhe uma cachaça e pediam que homenageassem uma das meninas presentes. Ele cantava uma velha cantiga, colocando o nome da moça na letra, mantendo a hierarquia social: Dona Lucinha, como eu te amo, te amo tanto, oh meu bem querer. Te amo que tanto, que meus olhos chega chora, se dona Lucinha for embora, eu posso até morrer.
Era um homem devoto. Com frequência, se ajoelhava à porta de uma igreja e orava baixinho:
— Pai, minha vida é um vale de lágrimas, mas sei que guardas um lugar bem quentinho e limpinho pra mim, aí em cima. Por isso eu sou fiel e te agradeço. Mas Tu, que tudo podes, por que não maneirasse um pouquinho com Pií? Custava tanto? … Não se faça de surdo, Senhor! Responda!… Fala, sujeito! … Desculpa, Pai. É que às vezes sou meio despirocado da cachola. Mas bem que podias ter me dado um pouco mais de juízo, né? Bem, vou parar por aqui antes que perca a cabeça. Com licença, Pai.
E saía a peregrinar pelos lados sombrios da cidade indiferente.