A mulher misteriosa no meu velório

A desconhecida, toda de preto e de óculos escuros, causará um mal-estar geral entre os poucos presentes.

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
2 min readMar 22, 2024
A enigmática mulher de preto e de óculos escuros chorará mais que a viúva

Meu velório será modesto, por natureza, e rápido, por orientação prévia. Aparecerão os meus entes queridos e uns poucos amigos. Talvez um ou outro conhecido.

Na minha cremação não precisa de choro, nem vela. Prefiro que se converse alegremente. Trilha sonora, se houver, será chorinho, jazz e Mozart.

Avisei com a devida antecedência: dispenso cerimônia religiosa. Quem quiser fazer algo, agende para o 7° dia, sem problema. Mas missa de corpo presente me deixará contrariado.

Haverá um momento meio dramático.

À certa altura, perceberão uma mulher desconhecida, toda de preto e óculos escuros, vinda não se saberá como, nem de onde. Embora discreta, chorará mais que todo mundo, incluindo a viúva. Sua presença provocará um mal-estar geral. Todos se entreolharão, curiosos e constrangidos. Um silêncio de pedra se instalará.

Uma amiga da minha viúva, autonomeando-se procuradora da família enlutada, se aproximará da enigmática figura e, na lata, inquirirá:

– Se mal pergunto, você conhecia Homero Fonseca de onde? E há quanto tempo?

A mulher de preto e de óculos escuros, imersa em sua dor particular, nem escutará a abordagem um tanto truculenta.

A amiga atirada repetirá a pergunta, devagar e um pouco mais alto.

A estranha no ninho dessa vez ouvirá e se virará atônita para a inquisidora:

– Como assim? Este não é o velório de Jorjão?!

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Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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