A mulher misteriosa no meu velório
A desconhecida, toda de preto e de óculos escuros, causará um mal-estar geral entre os poucos presentes.
Meu velório será modesto, por natureza, e rápido, por orientação prévia. Aparecerão os meus entes queridos e uns poucos amigos. Talvez um ou outro conhecido.
Na minha cremação não precisa de choro, nem vela. Prefiro que se converse alegremente. Trilha sonora, se houver, será chorinho, jazz e Mozart.
Avisei com a devida antecedência: dispenso cerimônia religiosa. Quem quiser fazer algo, agende para o 7° dia, sem problema. Mas missa de corpo presente me deixará contrariado.
Haverá um momento meio dramático.
À certa altura, perceberão uma mulher desconhecida, toda de preto e óculos escuros, vinda não se saberá como, nem de onde. Embora discreta, chorará mais que todo mundo, incluindo a viúva. Sua presença provocará um mal-estar geral. Todos se entreolharão, curiosos e constrangidos. Um silêncio de pedra se instalará.
Uma amiga da minha viúva, autonomeando-se procuradora da família enlutada, se aproximará da enigmática figura e, na lata, inquirirá:
– Se mal pergunto, você conhecia Homero Fonseca de onde? E há quanto tempo?
A mulher de preto e de óculos escuros, imersa em sua dor particular, nem escutará a abordagem um tanto truculenta.
A amiga atirada repetirá a pergunta, devagar e um pouco mais alto.
A estranha no ninho dessa vez ouvirá e se virará atônita para a inquisidora:
– Como assim? Este não é o velório de Jorjão?!