A esquerda atira para o lado errado
No picadeiro, o Palhaço e os palhacinhos distraem a plateia, enquanto lá fora a caravana neoliberal passa sem alarde.
O Palhaço e os palhacinhos distraem a plateia, a toda hora criando factoides. Fazem piruetas e gritam palavras mágicas que galvanizam a classe média politizada: “Ditadura”, “AI-5”, “Tortura” e, quando falta assunto, “Venezuela”. São temas importantes, mas que não estão em pauta neste momento.
A esquerda — parlamentar, partidária ou intelectual — engole a corda e põe-se a latir, isto é, vaia, critica, grita, pede cassação de mandato e impeachment.
Enquanto isso, a caravana neoliberal passa devastando todos os direitos sociais, novos e antigos; vendendo a soberania nacional e o patrimônio público estratégico; transformando o País num gigantesco laboratório de teste da resistência popular às últimas consequências. Segue lampeira, ousada, impune, alcançando requintes de crueldade: agora gorjetas de garçom serão taxadas e até os desempregados serão tributados, descontados no salário-desemprego.
Nas gerais, o povão assiste sem entender direito. As redes de televisão, os pastores e o Zap contam outra história, dizem que tudo vai bem, vem aí uma chuva de emprego, a fartura encherá as mesas, os rios serão de leite e as pedras virarão pão. Ninguém lhe explica o real; ninguém lhe diz como se organizar. Os sindicatos sumiram e as organizações populares murcharam.
Nos bares bacanas se discute orientação sexual (importante, sem dúvida), enquanto nas feiras se comenta a bunda de Anitta (bonita, sem dúvida).
A esquerda continua latindo para o fantasma do AI-5 (que pode se encarnar, claro, mas está mais distante que a caravana de Paulo Guedes). O Palhaço e os palhacinhos gargalham.
P.S.: Salvo melhor juízo, em seu primeiro discurso público após sua libertação, no ABC, Lula deu algumas escorregadelas e acertou em cheio no principal. Atacou desnecessariamente a Rede Globo e congêneres, de certa forma igualando-se a Bolsonaro e dando gás para a narrativa fajuta dos dois polos opostos (a Globo aproveitou para dizer que era isenta, porque estava sendo criticada pela esquerda e pela direita); assanhou a direita ao falar em “fazer como no Chile” (talvez sem ainda reunir as condições para o povo ir pras ruas); e dedicou, acertadamente, a maior parte do tempo a questionar, em linguagem compreensível, a política econômica do governo (provocando, como prova de seu acerto, a pronta reação dos porta-vozes do neoliberalismo).
Me parece que ou a esquerda se une, reorganiza as massas e negocia uma saída com liberais e centristas de boa vontade, ou ficará latindo para os palhaços enquanto a caravana neoliberal passa, deixando atrás de si um rastro de pobreza e exclusão. Lula livre tem experiência nessas alianças e provavelmente é o único capaz, neste momento, de organizar uma resistência popular ao desmonte dos direitos sociais e juntar os democratas de todos os matizes para enfrentar o perigo fascista.