A entrevista

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
2 min readDec 25, 2023

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O dia em que o foca entrevistou sua Musa enrolada numa toalha num quarto de hotel com o mundo pegando fogo lá fora.

Era 1972. No palco do Teatro do Parque, jovens atrizes e atores encenavam a versão brasileira do musical Hair, sob a direção de Ademar Guerra, para uma plateia lotada. O ponto alto era a famosa cena de nudez coletiva, somente permitida pela censura com três condições: tinha de ser curta, estática e com luzes reduzidas. Mesmo assim, causava tremendo impacto. A temperatura se elevava, arrebentando os termômetros.

O foca do Diario de Pernambuco foi escalado para entrevistar alguém do elenco para a matéria do domingo. Espantou-se:

— Quem eu quiser?

— Quem der sopa. Preciso preencher um claro de duas colunas na matéria. Volte correndo.

Feliz e nervoso até o gorgomilo, assistiu ao espetáculo de olhos fixos na Musa. Mal as cortinas se fecharam, correu para os camarins. Diante do fuzuê e do calor, ela sugeriu: Vamos ao hotel.

Era pertinho, na Praça Maciel Pinheiro, foram andando. No quarto, ela disse estar morrendo de calor, perguntou se podia tomar um banho rápido? Entalado, só fez sim com a cabeça.

Suando em bicas, esperou os 10 minutos mais eternos de sua vida. Ela surgiu enrolada numa toalha, a pele morena macia úmida. Sentou na beira da cama, a 1/2 metro da cadeira onde ele estava.

Ele abriu o caderninho com o roteiro da entrevista. A vista se embaçou, não conseguiu ler nada. Tentou lembrar das perguntas. Nonada. Ela percebeu o embaraço, e como ele não conseguia abrir a boca, os olhos fitos nela, esbugalhados, falou por conta própria sobre o musical, os ensaios, a relação com o diretor e colegas. Humilhado, ele ouvia ela se auto-entrevistar, enquanto disfarçava, simulando escrever uns garranchos. Estava ensopado de suor e tremia feito um caniço num vendaval. Não sabe como se despediu e voltou ao jornal.

Na redação, não conseguiu escrever uma linha. Botaram um calhau no lugar do texto. Só não foi demitido porque Sônia Braga ainda não era uma celebridade e o editor empatizou com ele.

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Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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