A Dança da Sedução
A origem dos desencontros amorosos em tempos líquidos.
Lá vem ela, efêmera e eufórica. Um sorriso de felicidade afivelado no rosto bonito. A frivolidade quase disfarçada por um diploma. Cônscia de que a mulher passiva-submissa morreu há décadas (ainda bem), ela esbanja autonomia, escondendo medos e fragilidades embaixo do tapete. Os escombros de uma longa história de relações fracassadas são tentativamente apagados por maquiagem e cirurgias. A pesada jornada — emprego exigente e filho mimado — não destrói a utopia de encontrar um homem forte e delicado, seguro e companheiro, heróico e educado. Para conquistá-lo, jamais desafivela a máscara de mulher livre e feliz.
Lá vou eu, tentando aparentar segurança e gentileza. Falo baixo, faço gestos suaves, evitando arrotar, peidar e ser surpreendido por um daqueles surtos de ira que me assaltam vez em quando. Deixo no fundo dos meus abismos a tibieza inata, a covardia adquirida, os ressentimentos acumulados. Mantenho submersos em minha sombra o pequeno monstro que me habita, capaz de todas as torpezas, iniquidades, crueldades. A seriedade estampada na minha face disforme é o mal-estar da civilização personificado, a sensação de descolamento em um mundo hostil. Fujo dos conflitos e das decisões cruciais e, como todos, minto aparentando bom humor e finjo ser sábio.
Eu e ela: nos apaixonamos pelo que projetamos um no outro, nos encantamos com os personagens que representamos e iniciamos um relacionamento com um final predeterminado.
Hoje, quando acordei, o fantasma de Schopenhauer ainda estava ali.