A dádiva de um sorriso
Meses sem ver meu amigo José Alonso de Arruda, ambos nós dois cada vez mais arredios por conta da barafunda lá fora.
– Como eu ia dizendo… — disse ele, usando seu bordão para carimbar uma velha amizade.
E rimos. Ele parecia um pouco esbaforido, como se estivesse com a pressão arterial alterada. Arregalou os olhos e começou a contar, exatamente como se não houvesse um bom lapso de tempo desde nossa última conversa.
– Fonseca, agora mesmo, quando eu vinha caminhando para cá, me aconteceu um encontro espetacular.
Fez a tradicional pausa de suspense e quando a atendente se aproximou e anotou nossos pedidos (meu expresso e o cappuccino dele), prosseguiu:
– A moça era jovem, belíssima e trazia no colo uma linda bebezinha. O tipo de mulher que eu queria ter encontrado há uns 30 anos: cabelos castanhos claros, olhos castanhos esverdeados, pele trigueira.
Deu uma risada e se auto-aparteou:
– Aliás, nunca vi um pé de trigo. Mas na literatura se usa muito “pele trigueira”.
Breve pausa para um gole de café.
– Devo acrescentar que a mulher tinha uma aura que nem sei descrever. Pois bem. Quando ela ia cruzando comigo, me afastei para um lado da calçada e petrificado esperei que ela passasse. E nesse exato momento, olhei-a bem dentro dos olhos. Ela não só me retribuiu o olhar, como abriu o sorriso mais luminoso que meus olhos já viram.
– A mulher belíssima?!
– Não, camarada. A bebezinha. A mãe passou olhando pro outro lado. Ganhei o dia pelo sorriso de canto a canto daquelas bochechas sapecas.
No fim da conversa, saiu assobiando aquela música de Chico que diz assim “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”.