A causa secretíssima

Os dois amigos conversavam com uma solenidade estranha à mesa do bar-café, numa noite quente como os seiscentos diabos. Eram, talvez, os últimos machos alfa do planeta.

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
2 min readMar 7, 2024

– Thiago, te chamei pra essa conversa… (Pigarro) …Você é meu amigo mais antigo…

– Verdade.

– Vou direto ao ponto… (Pigarro) Tanto você, como o resto da turma, andam me evitando. Posso saber por que?

– Evitando você? Como assim? Fala logo, cara.

– No começo, fiquei em dúvida. Vocês todos foram ao meu casamento, correu tudo bem. Mas desde então observei que vocês recusam meus convites para nos encontrarmos, toda vez que irei com Estefânia. Já lá se vão seis meses.

– Ah!

– Qual a causa dessa rejeição?

– Não foi só por esse motivo que casei com ela, mas ela é uma mulher simpática…

– Simpaticíssima!

– Inteligente…

– Inteligentíssima!

– Discreta…

– Discretíssima!

– Bela…

— Belíssima!

– Etc…

– Bota etc. nisso!

– Hein?

– Nada não.

– E então?

– Então… Veja bem, Lucão… Eu… e a turma… somos seus melhores amigos.

– Eu sei disso.

– E você vem e casa com Estefânia…

– Sei disso também.

– E como você disse, Estefânia é uma mulher inteligentíssima, discretíssima, simpaticíssima, belíssima, gostosíssima!

– Isso aí eu não disse, não.

– Não disse o que?

– Essa coisa de gostosa. Falei isso, não.

– Isso estava incluído no etc., Lucão.

– Ah!

– Apois!

– Apois o quê?

– É isso. Esse é o problema.

– Quer dizer que vocês preferiam que eu tivesse casado com uma mulher feia, burra, assanhada, mal-amanhada… (Pigarro) Deixa ver se entendi: meus amigos se sentem incomodados e se afastam justamente por causa dos melhores predicados de Estefânia!!

– Isso mesmo.

– Não entendo.

– Lucão, nós somos seus amigos de verdade…

– E daí?

– E daí que ficamos constrangidos quando nos juntamos com você e ela!

– Continuo sem entender, Thiago.

– Cara, não me sinto bem em estar com você e ela… (Pigarro) E ficar o tempo todo pensando nos horrores que eu poderia pintar com sua mulher… E a turma toda só pensa nisso.

­– Ei!

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Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

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