A cara do Brasil

Aglomerações em bares, festas e praias são culto vazio a Dionísio, cujo prolongamento traz consequências trágicas.

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
3 min readDec 20, 2020
Imagem TV Band.

Por VERA STRINGHINI

Psiquiatra, Porto Alegre.

Lembro do verso de Cazuza: “Brasil, mostra a tua cara”

Quando vejo as aglomerações se repetindo e as pessoas aplaudindo as autoridades que as fomentam, penso que esta é a cara do Brasil. Não são fascistas — que é um movimento disciplinado e com propósito. São sujeitos vazios de pensamento lógico, que querem brincar, divertir-se (divergir, afastar-se, excluir-se): sem pensar no futuro, nas consequências.

São multidões que seguem o semideus Dionísio, como em As Bacantes mostradas na tragédia de Eurípides, escrita para lembrar que o reinado de Dionísio não pode exceder um curto período antes que a Pólis (cidade) desabe ao peso das paixões primitivas, que podem ir do incesto ao canibalismo.

Esta história é antiga, vem do início da civilização. . Está nos livros considerados sagrados porque trazem verdades eternas para cada sociedade, desde os povos mais primitivos. Os índios do Xingu já tinham notado que o prazer sem limites traz a morte. A cerimônia fúnebre Quarup conta esta história: Mavutzinim, o primeiro homem, que conhece a linguagem dos deuses da floresta, nos ensina: é preciso evitar as relações sexuais enquanto durar o luto. Mas isto não se consegue e por isso os dois mundo, dos vivos e dos mortos se separam irremediavelmente.

A mitologia bíblica é rica e conta fantásticas lendas:

A primeira conta sobre um dilúvio, na região entre os rios Tigre e Eufrates que ocorreu provavelmente entre maio de 2.349 aC e novembro de 2348 aC. Noé e sua família construíam barcos. A maioria da população divertia-se, aglomerava-se, o resto todos sabem.

Outra devastação relatada ocorre em Sodoma e Gomorra, cidades localizadas no sudeste do Mar Morto que foram destruídas por um meteoro. Também ai a cidade divertia-se enquanto a família de Abraão se preparava para procurar sítios melhores para sobreviver. Conta-se uma versão maravilhosa: todos foram avisados de que não podiam olhar para trás mas a mulher de Ló, sobrinho de Abraão, não resistiu e ao olhar para trás transformou-se em estátua de sal: é o que nos espera se não temos foco e não respeitamos as interdições. (Cogita-se que um meteoro caiu sobre as cidades localizadas no Vale de Sidim perto do Mar Morto há 3.700 anos).

Mas a maior de todas as histórias do mundo antigo, é a de Moisés: Enquanto ele tentava escrever uma Constituição, um conjunto de leis que organizasse a população, sem terra e sem lei, , o povo divertia-se e aglomerava-se em torno do Bezerro de Ouro. Moisés sofreu e chorou, quebrou com ódio as tábuas da lei. Mas sentiu que devia insistir até que as pessoas, desesperadas pelo medo, começassem a entender: se quisessem sobreviver, tinham que cumprir certas leis de convivência e respeito recíproco.

(Um dos mais belos artigos de Freud é “O Moisés de Michelangelo”. Aqui uma frase profética:

“A maior realização psíquica de um ser humano é vencer suas próprias paixões em benefício da missão a que se consagrou.”)

Brasil esconde a tua cara agora. O garoto inzoneiro é nefasto neste momento, ele se torna uma criança louca e assassina se não introjetar o que está escrito nas sagradas Tábuas da Lei cujos mandamentos todos já sabem: máscaras, isolamento social, álcool gel a 70 graus, vacina e solidariedade.

--

--

BLOGUE DE HOMERO FONSECA
BLOGUE DE HOMERO FONSECA

Written by BLOGUE DE HOMERO FONSECA

Jornalista e escritor. Só sei que nada sei (Sócrates), mas desconfio de muita coisa (Riobaldo Tatarana).

No responses yet